
Recebi por email este belo informativo de Alexandre Cumino sobre o Fundador da nossa amada Umbanda, que em 2008 comemora seu primeiro centenário. Este texto foi de uma matéria feita em 1972 com o próprio Zélio de Moraes sobre como tudo começou.
segue na íntegra:
Mês que vem a Umbanda comemora seu primeiro centenário,
que tem como marco a incorporação do Caboclo Sete Encruzilhadas em seu médium Zélio Fernandino de Moraes (15/11/1908)
e a fundação do primeiro templo de Umbanda (Tenda Espírita Nossa Senhora da Piedade).
Em homenagem e comemoração ao Centenário da Umbanda é que o Jornal de Umbanda Sagrada
inicia nesta edição a publicação de reportagens,
matérias e textos que remontem a Memória da Umbanda,
mostrando assim que Umbanda tem História.
Para dar início, voltamos até o ano de 1972,
reproduzindo uma reportagem em que o próprio Zélio de Moraes conta sua história,
de como tudo começou na Umbanda.
Consideramos importante este trabalho para a religião,
pois boa parte do material que tivemos acesso nestes anos é desconhecido pela maioria dos Umbandistas.
Também esperamos nos próximos meses publicar partes de textos dos primeiros autores Umbandistas como Leal de Souza, Lourenço Braga, Aluízio Fontenele, Florisbela Franco, Yokaanan, Capitão Pessoa, Benjamim Figueiredo, João Severino Ramos, João de Freitas, Oliveira Magno, Sílvio Pereira Maciel, Tata Tancredo, Emanuel Zespo e outros tantos que foram os pioneiros na literatura umbandista.
Também esperamos publicar algumas das reportagens e entrevistas com Zélio de Moraes realizadas pela Sra. Lilia Ribeiro que foi dirigente da TULEF (Tenda de Umbanda Luz, Esperança e Caridade) e responsável pelo boletim MACAIA.
Pedimos ao Caboclo das Sete Encruzilhadas que nos ampare e guie nesta missão que assumimos.
Zélio de Moraes por Zélio de Moraes
Jornal de Umbanda Sagrada - Outubro de 2008
“A Umbanda existe há 64 anos!”
Este é o título da reportagem, com Zélio
de Moraes, feita por Lília Ribeiro, Lucy
e Creuza para a revista Gira da Umbanda, ano 1 – numero 1 – 1972.
A revista foi editada por Atila Nunes Filho e traz na capa a chamada:
EXCLUSIVO: “Eu Fundei a Umbanda”
Reportagem e fotos: Lília Ribeiro, Lucy e Creuza.
Com 82 anos de idade, este homem é considerado por um pequeno grupo de umbandistas “o fundador da Umbanda”.
Cabelos grisalhos, fisionomia serena e simples, Zélio de Moraes, através do seu guia espiritual,
o Caboclo das Sete Encruzilhadas, só sabe praticar o amor e a humildade.
“- Na minha família, todos são da marinha: almirantes, comandantes, um capitão-de-mar-e-guerra...
Só eu que não sou nada...” – comentava sorrindo Zélio de Moraes, aos amigos que o visitavam, nessa manhã ensolarada.
E a repórter, antes mesmo de se apresentar, retrucou:
“- Almirantes ilustres, capitães-de-mar-e-guerra há muitos;
o médium do Caboclo das Sete Encruzilhadas, porém, é um só”.
Levantando-se, Zélio de Moraes – magrinho, de estatura mediana, cabelos grisalhos, fisionomia serena e de uma simplicidade sem igual – acolheu-me, como se fôssemos velhos conhecidos. Nesse ambiente cordial, sentindo-me completamente à vontade, possuída de estranho bem-estar, esquecendo, quase, a minha função jornalística, iniciei uma palestra, que se prolongaria por várias horas, deixando-me uma impressão inesquecível.
Perguntei-lhe como ocorrera a eclosão de sua mediunidade e de que forma se manifestara, pela primeira vez, o Caboclo das Sete Encruzilhadas.
“- Eu estava paralítico, desenganado pelos médicos.
Certo dia, para surpresa de minha família, sentei-me na cama e disse que no dia seguinte estaria curado.
Isso a foi a 14 de novembro de 1908.
Eu tinha 18 anos.
No dia 15, amanheci bom.
Meus pais eram católicos, mas, diante dessa cura inexplicável, resolveram levar-me à Federação Espírita de Niterói, cujo presidente era o Sr. José de Souza.
Foi ele mesmo quem me chamou para que ocupasse um lugar à mesa de trabalhos, à sua direita.
Senti-me deslocado, constrangido, em meio àqueles senhores.
E causei logo um pequeno tumulto.
Sem saber porque em dado momento, eu disse:
“Falta uma flor nesta mesa; vou buscá-la”.
E, apesar da advertência de que não me poderia afastar, levantei-me, fui ao jardim e voltei com uma flor que coloquei no centro da mesa.
Serenado o ambiente e iniciados os trabalhos, verifiquei que os espíritos que se apresentavam ao videntes como índios e pretos, eram convidados a se afastar.
Foi então que, impelido por uma força estranha, levantei-me outra vez e perguntei porque não se podiam manifestar esses espíritos que, embora de aspecto humilde, eram trabalhadores.
Estabeleceu-se um debate e um dos videntes, tomando a palavra, indagou:
- “O irmão é um padre jesuíta. Por que fala dessa maneira e qual é o seu nome?”
Respondi sem querer:
- “Amanhã estarei em casa deste aparelho, simbolizando a humildade e a igualdade que deve existir entre todos os irmãos, encarnados e desencarnados. E se querem um nome, que seja este: sou o Caboclo das Sete Encruzilhadas”.
Minha família ficou apavorada.
No dia seguinte, verdadeira romaria formou-se na Rua Floriano Peixoto, onde eu morava, no número 30.
Parentes, desconhecidos, os tios, que eram sacerdotes católicos e quase todos os membros da Federação Espírita, naturalmente em busca de uma comprovação.
O Caboclo das Sete Encruzilhadas manifestou-se, dando-nos a primeira sessão de Umbanda na forma em que, daí para frente, realizaria os seus trabalhos.
Como primeira prova de sua presença, através do passe, curou um paralítico, entregando a conclusão da cura ao Preto Velho, Pai Antonio, que nesse mesmo dia se apresentou.
Estava criada a primeira Tenda de Umbanda, com o nome de Nossa Senhora da Piedade, porque assim como a imagem de Maria ampara em seus braços o Filho, seria o amparo de todos os que a ela recorressem.
O Caboclo determinou que as sessões seriam diárias; das 20 às 22 horas e o atendimento gratuito, obedecendo ao lema:
“daí de graça o que de graça recebestes”.
O uniforme totalmente branco e sapato tênis.
Desse dia em diante, já ao amanhecer havia gente à porta, em busca de passes, cura e conselhos.
Médiuns que não tinha a oportunidade de trabalhar espiritualmente por só receberem entidades que se apresentavam como Caboclos e Pretos Velhos, passaram a cooperar nos trabalhos.
Outros, considerados portadores de doenças mentais desconhecidas revelaram-se médiuns excepcionais, de incorporação e de transporte”.
Citando nomes e datas, com precisão extraordinária, Zélio de Moraes relata o que foram os primeiros anos de sua atividade mediúnica. Dez anos depois, o Caboclo das Sete Encruzilhadas anunciou a segunda fase de sua missão: a fundação de sete templos de Umbanda e, nas reuniões doutrinárias que realizava às quintas-feiras, foi destacando os médiuns que assumiriam a direção das novas tendas: a primeira, com o nome de Nossa Senhora da Conceição e, sucessivamente, Nossa Senhora da Guia, São Pedro, Santa Bárbara, São Jorge, Oxalá e São Jerônimo.
“– Na época – prossegue Zélio – imperava a feitiçaria; trabalhava-se muito para o mal, através de objetos materiais, aves e animais sacrificados, tudo a preços elevadíssimos. Para combater esses trabalhos de magia negativa, o Caboclo trouxe outra entidade, o Orixá Malé, que destruía esses malefícios e curava obsedados. Ainda hoje isso existe: há quem trabalhe para fazer ou desmanchar feitiçarias, só para ganhar dinheiro. Mas eu digo: não ninguém que possa contar que eu cobrei um tostão pelas curar que se realizavam em nossa casa; milhares de obsedados, encaminhados inclusive pelos médicos dos sanatórios de doentes mentais... E quando apresentavam ao Caboclo a relação desses enfermos, ele indicava os que poderiam ser curados espiritualmente; os outros dependiam de tratamentos material...”
Perguntei então a Zélio, a sua opinião sobre o sacrifício de animais que alguns médiuns fazem na intenção dos Orixás.
Zélio absteve-se de opinar, limitou-se a dizer:
“- Os meus guias nunca mandaram sacrificar animais, nem permitiriam que se cobrasse um centavo pelos trabalhos efetuados. No Espiritismo não pode pensar em ganhar dinheiro; deve-se pensar em Deus e no preparo da vida futura.”
O Caboclo das Sete Encruzilhadas não adotava atabaques nem palmas para marcar o ritmo dos cânticos e nem objetos de adorno, como capacetes, cocares, etc.
Quanto ao número de guias a ser usado pelo médium, Zélio opina:
“- A guia deve ser feita de acordo com os protetores que se manifestam. Para o Preto Velho deve-se usar a guia de Preto Velho; para o Caboclo, a guia correspondente ao Caboclo. É o bastante. Não há necessidade de carregar cinco ou dez guias no pescoço...”
Considera o Exu um espírito trabalhador como os outros:
“- O trabalho com os Exus requer muito cuidado. É fácil ao mau médium dar manifestação como Exu e ser, na realidade, um espírito atrasado, como acontece, também, na incorporação de Criança. Considero o Exu um espírito que foi despertado das trevas e, progredindo na escala evolutiva, trabalha em benefício dos necessitados. O Caboclo das Sete Encruzilhadas ensinava o que Exu é, como na polícia, o soldado. O chefe de polícia não prende o malfeitor; o delegado também não prende. Quem prende é o soldado que executa as ordens dos chefes. E o Exu é um espírito que se prontifica a fazer o bem, porque cada passo que dá em benefício de alguém é mais uma luz que adquire. Atrair o espírito atrasado que estiver obsedando e afastá-lo, é um dos seus trabalhos.
E é assim que vai evoluindo. Torna-se portanto, um auxiliar do Orixá.
CINQUENTA ANOS
DE ATIVIDADE MEDIÚNICA:
Relembrando fatos passados em mais de meio século de atividade espiritualista, Zélio refere-se a centenas de tendas de Umbanda fundadas na Guanabara, em São Paulo, Estado do Rio, Minas, Espírito Santo, Rio Grande do Sul. A Federação de Umbanda do Brasil, hoje União Espiritista de Umbanda do Brasil, foi criada por determinação do Caboclo das Sete Encruzilhadas, a 26 de agosto de 1939.
Da Tenda Nossa Senhora da Piedade saiam constantemente médiuns de capacidade comprovada, com a missão de dirigirem novos templos umbandistas; entre eles, José Meireles, na época deputado federal; José Álvares Pessoa, que deixou uma lembrança indelével de sua extraordinária cultura espiritualista; Martinho Mendes Ferreira, atual presidente da Congregação Espírita Umbandista do Brasil; Carlos Monte de Almeida um dos diretores de culto da T.U.L.E.F.; João Severino Ramos, trabalhando ainda hoje, ativamente, inclusive na Assessoria de Culto do Conselho Nacional Deliberativo da Umbanda.
Outros, fugindo às rígidas determinações de humildade e caridade do Caboclo das Sete Encruzilhadas, desvirtuaram normas do culto.
Mas a Umbanda, preconizada através da mediunidade de Zélio de Moraes, difundiu-se extraordinariamente e hoje podemos encontrar suas características em tendas modestas e nos grandes templos, como o Caminheiros da Verdade e a Tenda Mirim, nos quais a orientação de João Carneiro de Almeida e Benjamin Figueiredo mantém elevado nível de espiritualidade, no Primado de Umbanda, uma das mais perfeitas entidades associativas da nossa Religião.
Durante mais de cinqüenta anos, o Caboclo das Sete Encruzilhadas dirigiu a Tenda Nossa Senhora da Piedade; após esse tempo, passou a direção à filha mais velha do médium, dona Zélia, aparelho do Caboclo Sete Flechas.
Entretanto, Pai Antonio continua trabalhando, na cabana que tem o seu nome, localizada num sítio maravilhoso, em Cachoeiras de Macacu. O Caboclo manifesta-se ainda em datas especiais, como foi, por exemplo, o 63º aniversário daquela tenda.
Da gravação feita durante a celebração festiva, reproduzimos para os leitores,
o trecho final da mensagem do Caboclo das Sete Encruzilhadas:
“A Umbanda tem progredido e vai progredir muito ainda. É preciso haver sinceridade, amor de irmão para irmão, para que a vil moeda não venha a destruir o médium, que será mais tarde expulso, como Jesus expulsou os vendilhões do templo. É preciso estar sempre de prevenção contra os obsessores, que podem atingir o médium. É preciso ter cuidado e haver moral, para que a Umbanda progrida e seja sempre uma Umbanda de humildade, amor e caridade. Essa é a nossa bandeira. Meus irmãos: sêde humildes, trazei amor no coração para que pela vossa mediunidade possa baixar um espírito superior; sempre afinados com a virtude que Jesus pregou na Terra, para que venha buscar socorro em vossas casas de caridade, todo o Brasil... Tenho uma coisa a vos pedir: se Jesus veio ao planeta Terra na humilde manjedoura, não foi por acaso, não. Foi o Pai que assim o determinou. Que o nascimento de Jesus, o espírito que viria traçar à humanidade o caminho de obter a paz, saúde e felicidade, a humildade em que ele baixou neste planeta, a estrela que iluminou aquele estábulo, sirva para vós, iluminando vossos espíritos, retirando os escuros da maldade por pensamento, por ações; que Deus perdoe tudo o que tiverdes feito ou as maldades que podeis haver pensado, para que a paz possa reinar em vossos corações e nos vossos lares. Eu, meus irmãos, como o menor espírito que baixou à Terra, mas amigo de todos, numa concentração perfeita dos espíritos que me rodeiam neste momento, peço que eles sintam a necessidade de cada um de vós e que, ao sairdes deste templo de caridade, encontreis os caminhos abertos, vossos enfermos curados e a saúde para sempre em vossa matéria. Com o meu voto de paz, saúde e felicidade, com humildade, amor e caridade, sou e serei sempre o humilde CABOCLO DAS SETE ENCRUZILHADAS.
Transcrição completa da entrevista com Zélio de Moraes, feita por Lília Ribeiro, Lucy e Creuza para a revista Gira da Umbanda, ano 1 – número 1 – 1972, pesquisado por Alexandre Cumino e publicado no Jornal de Umbanda Sagrada de Outubro de 2008.
PS.: Foi graças a esta revista, Giro da Umbanda, e a esta entrevista que o Sacerdote de Umbanda Ronaldo Linares tomou a iniciativa de procurar Zélio de Moraes, tornou-se seu amigo e o maior divulgador da mensagem do Caboclo Sete Encruzilhadas em São Paulo.
Foi também com o apoio de Zélio de Moraes que Pai Ronaldo Linares instituiu o curso de Sacerdotes da FUGABC, que já está no 26º Barco (Turma).
O que é confirmado no livro Umbanda Cristã e Brasileira do autor Jota Alves de Oliveira (Ediouro, p.46):
Estivemos com Zélio de Moraes, mais uma vez, no sítio de Boca do Mato, às vésperas da data consagrada à Oxossi. Ouvimos de Zélio e Zilméia, a descrição do que foi a grande concentração promovida pela Federação Umbandista do Grande ABC, de Santo André, estado de São Paulo, em homenagem a Zélio... aquela Federação, presidida por Ronaldo Linares, visa uniformizar o culto dos templos umbandistas, excluindo gradativamente do ritual os preceitos já superados, a fim de atingir, na prática, o conceito definido pelo Caboclo: Umbanda é a manifestação do espírito para a caridade.
Em 1958, tínhamos conhecimento da existência do Caboclo das Sete Encruzilhadas, através do seu médium Zélio de Morais, na Tenda Nossa Senhora da Piedade. Então, juntamente (Israel Cisneiros) com outros companheiros, ocorreu-nos render-lhe preito justo, como verdadeiro fundador da Umbanda, que após 50 anos de atividade ininterruptas, fez jus a entrega de um pergaminho, como iluminuras, onde reconhecíamos publicamente o seu grande mérito espiritual.
Confirma-se em 1972, através da psicografia (Omulubá) enviada pelo espírito Ângelo de Lys, poeta, autor póstumo de dezenas de poemas espiritualistas, publicados pela imprensa umbandista, ter sido este movimento religioso de Umbanda, iniciado no princípio deste século na terra de Araribóia, Niterói.
O trabalho apresentado pelo CONDU – CONSELHO NACIONAL DELIBERATIVO DE UMBANDA
em Agosto de 1977, esclarece tudo que se relaciona com as fontes de origem da Umbanda e do seu fundador.
Transcrevemos o citado trabalho, onde os membros daquele respeitável organismo, em boa hora, reconhecem que a Umbanda no Brasil, foi trazida do astral ao plano físico, por uma entidade, que se fez reconhecida como o Caboclo das Sete Encruzilhadas.
AS VERDADEIRAS ORGENS DA UMBANDA NO BRASIL
ESTUDO APRESENTADO PELO CONDU - AGOSTO DE 1977
1- Em fins do século passado, existiam, no Rio de Janeiro, várias modalidades de culto que se denotavam nitidamente a origem africana, embora já bem distanciadas da crença trazida pelos escravos. A magia dos velhos africanos transmitida oralmente através de gerações, desvirtuara-se, mesclada com as feitiçarias provindas de Portugal onde, no dizer de Morales de los Rios, existiram sempre feitiços, rezas e superstições.
As “macumbas” – mistura de catolicismo, feitchismo negro e crenças nativas multiplicavam-se; tomou vulto a atividade remunerada do feiticeiro; o “trabalho feito” passou à ordem do dia, dando motivo a outro, para lhe destruir os efeitos maléficos; generalizaram-se os “despachos”, visando obter favores para uns e prejudicar a terceiros; aves e animais eram sacrificados, com as mais diversas finalidades; exigiam-se objetos raros, para homenagear entidades ou satisfazer elementos do baixo astral. Sempre, porém, obedecendo aos objetivos primordiais; aumentar a renda do feiticeiro ou “derrubar” – termo que esteve muito em voga – os que não se curvassem ante os seus poderes ou pretendessem fazer-lhes concorrência.
Os Mentores do Astral Superior, porém, estavam atentos ao que se passava.
Organizava-se um movimento destinado a combater a magia negativa, que se propagava assustadoramente; cumpria atingir, de início, as classes humildes, mais sujeitas às influências do clima de superstições que imperava na época.
Formaram-se então as falanges de trabalhadores espirituais, que se apresentariam na forma de Caboclos e de Pretos Velhos, para mais facilmente serem compreendidos pelo povo. Nas sessões espíritas, porém, não foram aceitos; identificados sob essas formas, eram considerados espíritos atrasados e suas mensagens não mereciam nem mesmo uma análise. Acercaram-se também dos Candomblés e dos cultos então denominados “baixo-espiritismo” – as macumbas. É provável que nestes, como nos Batuques do Rio Grande so Sul, tenham encontrado acolhida, com a finalidade de serem aproveitados nos trabalhos de magia, como elementos novos no velho sistema de feitiçaria.
A situação permanecia inalterada, ao iniciar-se o ano de 1900.
As determinações do Plano Astral, porém, deveriam cumprir-se.
2- Em 15 de novembro de 1908 compareceu a uma sessão da Federação Espírita, em Niterói, então dirigida por José de Souza, um jovem de 17 anos, de tradicional família fluminense. Chama-se ZÉLIO FERNANDINO DE MORAES. Restabelecera-se no dia anterior, de moléstia cuja origem os médicos haviam tentado, em vão, identificar. Sua recuperação inesperada causara surpresa. Nem os doutores que o assistiam nem os tios, sacerdotes católicos, haviam encontrado explicação plausível. A família atendeu, então, à sugestão de um amigo, que se ofereceu para acompanhar o jovem Zélio à Federação.
3- Zélio foi convidado a participar da Mesa. Iniciados os trabalhos, manifestaram-se espíritos que se diziam de índios e escravos. O dirigente advertiu-os para que se retirassem. Nesse momento, Zélio sentiu-se dominado por uma força estranha e ouviu sua própria voz indagar por que não eram as mensagens dos negros e dos índios e se eles eram considerados atrasados apenas pela cor e pela classe social que declinavam.
Essa observação suscitou quase um tumulto.
Seguiu-se um diálogo acalorado, nos qual os dirigentes dos trabalhos procuravam doutrinar os espírito desconhecido que se manifestava e mantinha argumentação segura.
Afinal, um dos videntes pediu que a entidade se identificasse, já que lhe aparecia envolta numa aura de luz.
- Se querem um nome – respondeu Zélio involuntariamente – que seja este:
sou o CABOCLO DAS SETE ENCRUZILHADAS, porque, para mim, não haverá caminhos fechados.
E prosseguindo, anunciou a missão que trazia:
estabelecer as bases de um culto, no qual os espíritos de índios e escravos viriam a cumprir as determinações do Astral.
No dia seguinte, declarou ele, estaria na residência do médium, para fundar um templo, simbolizando a verdadeira igualdade que deve existir entre encarnados e desencarnados.
- Levarei daqui uma semente e vou plantá-la no bairro de Neves, onde ela se transformara numa árvore frondosa.
4- No dia seguinte, 16 de novembro de 1908, na residência da família do jovem médium, na Rua Floriano Peixoto, 30 , em Neves, bairro de Niterói, a entidade manifestou-se, pontualmente no horário previsto – 20 horas.
Ali se encontravam quase todos os dirigentes da Federação Espírita, amigos da família, surpresos e incrédulos e grande número de desconhecidos, que ninguém poderia dizer como haviam tomado conhecimento do ocorrido.
Alguns aleijados aproximaram-se da entidade, receberam passes e, ao final da reunião, estavam curados. Foi essa uma das primeiras provas da presença de uma força superior.
Nessa reunião, o CABOCLO DAS SETE ENCRUZILHADAS estabeleceu as normas do culto,
cuja prática seria denominada “sessão” e se realizaria à noite, das 20 às 22 horas,
para atendimento público, totalmente gratuito, passes e recuperação de obsedados.
O uniforme a ser usado pelos médiuns seria todo branco, de tecido simples.
Não se permitiria retribuição financeira pelo atendimento ou pelos trabalhos realizados.
Os Cânticos não seriam acompanhados de atabaques nem de palmas ritmadas.
A esse novo culto, que se alicerçava nessa noite, a entidade deu o nome de UMBANDA e
declarou fundado o primeiro templo para a sua prática,
com a denominação de Tenda Espírita Nossa Senhora da Piedade, porque:
“assim como Maria acolhe em seus braços o Filho; a Tenda acolheria os que a ela recorressem, nas horas de aflição”.
Através de Zélio manifestou-se nessa mesma noite, um Preto Velho, Pai Antonio,
para completar as curas de enfermos iniciadas pelo Caboclo.
E foi ele quem ditou este Ponto, hoje cantado no Brasil inteiro:
“Chegou, chegou, chegou, com Deus,
chegou, chegou, o Caboclo das Sete Encruzilhadas”.
5- A partir dessa data, a casa da família de Zélio tornou-se a meta de enfermos, crentes, descrentes e curiosos.
Os enfermos eram curados;
os descrentes assistiam a provas irrefutáveis;
os curiosos constatavam a presença de uma força superior;
e os crentes aumentavam, dia a dia.
Cinco anos mais tarde, manifestou-se o Orixá Malé,
exclusivamente para a cura de obsedados e o combate aos trabalhos de magia negra.
6- Passados dez anos, o CABOCLO DAS SETE ENCRUZILHADAS anunciou a segunda etapa de sua missão:
a fundação de sete templos, que deveriam constituir o núcleo central para a difusão da Umbanda.
A Tenda da Piedade trabalhava ativamente, produzindo curas, principalmente a recuperação de obsedados, considerados loucos, na época. Já então se contavam às centenas as curas realizadas pela entidade, comentadas em todo o Estado e confirmadas pelos próprios médicos, que recorriam à Tenda, em busca da cura dos seus doentes.
E o Caboclo indicava, nas relações que lhe apresentavam com o nome dos enfermos os que poderia curar: eram obsedados, portadores de moléstia de origem espiritual; os outros, dizia ele, competia à medicina curá-los. (Relato de Martinho M. Ferreira).
Zélio, já então casado, por determinação da entidade, recolhia os enfermos mais necessitados em sua residência, até o termino do tratamento espiritual. E muitas vezes, as filhas, Zília e Zilméia, crianças ainda, cediam o seu aposento e dormiam em esteiras, para que os doentes ficassem bem acomodados.
7- Nas reuniões de estudos que se realizavam às quintas-feiras, a entidade preparava os médiuns que seriam indicados, posteriormente, para dirigir os novos templos.
Fundaram-se, assim, as
Tendas N. Sra. Da Guia,
N. Sra. Da Conceição,
Santa Bárbara,
São Pedro,
Oxalá,
São Jorge e
São Jerônimo.
Seus dirigentes foram:
Durval de Souza,
Leal de Souza,
João Aguiar,
José Meireles,
Paulo Lavois,
João Severino Ramos e
José Álvares Pessoa,
respectivamente.
8- Pouco depois a UMBANDA passou a expandir-se pelos Estados.
Em São Paulo, fundaram-se na capital, 23 tendas e 19, em Santos.
E a seguir, em Minas, Espíritos Santo, Rio grande do Sul.
Em Belém – relata Evaldo Pina – fundou-se a Tenda Mirim de São Benedito,
dirigida por Joaquim e Consuelo Bentes.
Ele, capitão do Exército, que servia na Capital da República,
transferiu-se para o Pará, exclusivamente para levar a mensagem do Caboclo das Sete Encruzilhadas.
Confirma-se a frase pronunciada na Federação Espírita:
“Levarei daqui uma semente e vou plantá-la no bairro de Neves, onde ela se transformara numa árvore frondosa...”
9- Em 1937, os templos fundados pelo CABOCLO DAS SETE ENCRUZILHADAS reuniram-se, criando a Federação Espírita de Umbanda do Brasil, posteriormente denominada União Espiritista de Umbanda do Brasil.
E em 1947 surgiu o JORNAL DE UMBANDA que, durante mais de vinte anos, foi um órgão doutrinário de grande valor.
FLORIANO MANOEL DA FONSECA acompanhou ZÉLIO DE MORAES na instalação de federações umbandistas em São Paulo e Minas Gerais.
Texto extraído do livro “Fundamentos de Umbanda – Revelação Religiosa” Israel Cisneiros e Omulubá – Equipe Editores.
XV DE NOVEMBRO DE 1.908
Por Alexandre Cumino
A primeira manifestação de Umbanda,
registrada, é o "Caboclo Sete Encruzilhadas"
em seu médium Zélio Fernandino de Moraes,
15 de Novembro de 1.908.
A "Tenda Espírita Nossa Senhora da Piedade”,
fundada por Zélio é o primeiro templo de Umbanda do Brasil.
Por isso os fatos que ali aconteceram são de fundamental importância a todos nós,
como registro histórico que marca o nascimento da Umbanda.
Zélio Fernandino de Moraes nasceu no dia 10 de Abril de 1892, no distrito de Neves, município de São Gonçalo - Rio de Janeiro. Filho de Joaquim Fernandino Costa (oficial da Marinha) e Leonor de Moraes. Em 1908, aos 17 anos, Zélio havia concluido o curso propedêutico (ensino médio) e preparava-se para ingressar na escola Naval, a exemplo de seu pai, foi quando fatos estranhos começaram a acontecer em sua vida.
Em alguns momentos Zélio era visto falando manso, com a postura de um velho, em sotaque diferente de sua região, dizendo coisas aparentemente desconexas, em outros momentos parecia um felino lépido e desembaraçado, mostrando conhecer todos os mistérios da natureza. Isso logo chamou a atenção da família, preocupada com a situação mental do menino que se preparava para seguir carreira militar, os "ataques" se tornaram cada vez mais freqüentes.
Zélio foi encaminhado a seu Tio, Dr. Epaminondas de Moraes, médico psiquiatra e diretor do Hospício da Vargem Grande. Após vários dias de observação, não encontrando seus sintomas em nenhuma literatura médica, sugeriu a família que o encaminhasse a um padre, para que fosse feito um ritual de exorcismo, pois desconfiava que seu sobrinho estava endemoniado. Foi chamado um outro parente, tio de Zélio, padre católico que realizou o dito exorcismo para livra-lo da possível presença do demônio e sana-lo dos ataques. No entanto este e outros dois exorcismos, acompanhados de outros sacerdotes católicos, não resolveram a situação e as manifestações prosseguiram. Também acompanhou sua mãe a uma benzedeira, Dona Cândida, que incorporava um espírito de nome Tio Antônio, não se sabe o que esta entidade teria dito a Zélio.
Algum tempo depois Zélio foi tomado por uma paralisia parcial, a qual os médicos não conseguiam entender. Um belo dia levantou-se de seu leito e dizendo: "amanhã estarei curado" e no dia seguinte começou a andar como se nada tivesse acontecido.
Um amigo sugeriu encaminha-lo a recém fundada Federação Kardecista de Niterói, município vizinho a São Gonçalo das Neves onde residia a Família Moraes. A Federação era então presidida pelo Sr.José de Sousa, chefe de um departamento da marinha chamado Toque Toque.
Zélio Fernandino de Moraes foi conduzido à Federação no dia 15 de Novembro de 1908,
na presença do Sr.José de Sousa, estava ele em meio aos ataques reconhecidos como manifestações mediúnicas. Convidado a sentar-se à mesa logo em seguida levantou-se, contrariando as normas do culto estabelecido pela instituição, afirmou que ali faltava uma flor. Foi até o jardim apanhou uma rosa branca e colocou-a no centro da mesa onde se realizava o trabalho.
Sr.José de Sousa, que possuía também a clarividência, verificou a presença de um espírito manifestado através de Zélio e passou ao dialogo a seguir:
Sr.José: Quem é você que ocupa o corpo deste jovem?
O espírito: Eu? Eu sou apenas um caboclo brasileiro.
Sr.José: Você se identifica como caboclo, mas vejo em você restos de vestes clericais.
O espírito: O que você vê em mim, são restos de uma existência anterior. Fui padre, meu nome era Gabriel Malagrida, acusado de bruxaria fui sacrificado na fogueira da inquisição por haver previsto o terremoto que destruiu Lisboa em 1755. Mas em minha última existência física Deus concedeu-me o privilégio de nascer como um caboclo brasileiro.
Sr.José: E qual é seu nome?
O espírito: Se é preciso que eu tenha um nome, digam que eu sou o CABOCLO DAS SETE ENCRUZILHADAS, pois para mim não existirão caminhos fechados. Venho trazer a Umbanda uma religião que harmonizará as famílias e que há de perdurar até o final dos séculos.
E no desenrolar da conversa Sr.José pergunta ainda se já não existem religiões suficientes, fazendo inclusive menção ao espiritismo.
O espírito: Deus, em sua infinita bondade, estabeleceu na morte, o grande nivelador universal, rico ou pobre poderoso ou humilde, todos tornam-se iguais na morte, mas vocês homens preconceituosos, não contentes em estabelecer diferenças entre os vivos, procuram levar estas mesmas diferenças até mesmo além da barreira da morte. Por que não podem nos visitar estes humildes trabalhadores do espaço, se apesar de não haverem sido pessoas importantes na Terra , também trazem importantes mensagens do além? Porque o não aos caboclos e pretos-velhos? Acaso não foram eles também filhos do mesmo Deus?...Amanhã, na casa onde meu aparelho mora, haverá uma mesa posta a toda e qualquer entidade que queira ou precise se manifestar, independente daquilo que haja sido em vida, todos serão ouvidos, nós aprenderemos com aqueles espíritos que souberem mais e ensinaremos com aqueles que souberem menos e a nenhum viraremos as costas a nenhum diremos não, pois esta é a vontade do Pai.
Sr.José: E que nome darão a esta Igreja?
O espírito: Tenda Nossa Senhora da Piedade, pois da mesma forma que Maria ampara nos braços o filho querido, também serão amparados os que se socorrerem da Umbanda.
No dia seguinte , na rua Floriano Peixoto , 30 – Neves – São Gonçalo – RJ, próximo das 20:00 horas, estavam presentes membros da federação espírita, parentes, amigos, vizinhos e uma multidão de desconhecidos e curiosos. Pontualmente as 20:00 horas o Caboclo das Sete Encruzilhadas incorporou e com as palavras abaixo iniciou seu culto:
“Vim para fundar a Umbanda no Brasil, aqui inicia-se um novo culto em que os espíritos de pretos velhos africanos e os índios nativos de nossa terra, poderão trabalhar em benefícios dos seus irmãos encarnados, qualquer que seja a cor , raça, credo ou posição social. A pratica da caridade no sentido do amor fraterno, será a característica principal deste culto”
Após trabalhar fazendo previsões, passe e doutrina informou que devia se retirar pois outra entidade precisava se manifestar.
Após a “subida” do Caboclo incorporou uma entidade reconhecida como “preto-velho”, saindo da mesa se dirigiu a um canto da sala onde permaneceu agachado. Sendo questionado o porque de não ficar na mesa respondeu:
“_ Nego num senta não meu sinhô, nego fica aqui mesmo. Isso é coisa de sinhô branco e nego deve arespeitá”,
após insistência ainda completou
“_ Num carece preocupa não. Nego fica no toco que é lugar de nego”
e assim continuou dizendo outras coisas mostrando a simplicidade, humildade e mansidão daquele que trazendo o estereótipo do preto-velho se fez identificar como Pai Antônio.
Pai Antônio cativou a todos com seu jeito, ainda lhe perguntaram se ele não aceitava nenhum agrado, ao que respondeu:
“_ Minha caximba, nego qué o pito que deixou no toco. Manda mureque busca”.
Todos ficaram perplexos, estavam presenciando a solicitação do primeiro elemento material de trabalho dentro da Umbanda.
Na semana seguinte todos trouxeram cachimbos que sobraram diante da necessidade de apenas um para Pai Antônio.
Assim o cachimbo foi instituído na linha de pretos-velhos, sendo também ele a primeira entidade a pedir uma guia (colar) de trabalho.
O pai de Zélio freqüentemente era abordado por pessoas que queriam saber como ele aceitava tudo isso que vinha acontecendo em sua residência, sua resposta era sempre a mesma em tom de brincadeira respondia que preferia um filho médium ao lugar de um filho louco.
Foi um trabalho árduo e incessante para o esclarecimento, difusão e sedimentação da religião de Umbanda.
Enquanto Zélio esteve encarnado foram fundadas mais de 10.000 tendas.
Após 55 anos de atividade entregou, a direção dos trabalhos da Tenda Nossa Senhora da Piedade a suas filhas Zélia e Zilméia.
Mais tarde junto com sua esposa Maria Izabel de Moraes, médium ativa da tenda e aparelho do Caboclo Roxo fundaram a cabana de Pai Antônio no distrito de Boca do Mato, município de Cachoeira do Macau – RJ.
Zélio Fernandino de Moraes desencarnou no dia 03 de Outubro de 1975.
Suas filhas deram continuidade ao trabalho e a “Tenda Nossa Senhora da Piedade” existe até hoje sob a direção de Lygia de Moraes Cunha, filha de Zilméia de Moraes Cunha.
Agradecemos a Mãe Zilméia de Moraes Cunha e ao Pai Ronaldo Linares (Pres. da FUGABC),
por nos ceder de viva voz a maioria dos fatos aqui narrados.
Alexandre Cumino